1. Introduzindo

Quem quer refletir sobre a espiritualidade do advento, o que poderá fazer melhor do que indagar onde na liturgia do advento se manifesta a presença e ação do Espírito Santo? Se toda a liturgia se realiza “na força do Espírito Santo” (SC 6), o Espírito de Deus deve ter estado presente quando surgiu, na antiguidade da Igreja, o advento com sua liturgia e quando esta foi fixada por escrito, para que se celebrasse no espírito da Igreja. É verdade que também esta liturgia sofreu modificações, algumas importantes, ao longo da história e nas diversas partes do mundo; por último, pela reforma litúrgica do Concílio Vaticano II. Também com a renovada liturgia do advento queria-se voltar às fontes, à liturgia clássica do final da antiguidade cristã. Houve ainda no Brasil uma certa adaptação na vivência e celebração e com isso da espiritualidade do advento que se manifesta o mais claramente em novenas (populares) de natal que nem sempre derivam da liturgia do advento, nem a ela conduzem da melhor maneira possível. Não todas elas têm a qualidade daquela elaborada pela CNBB ou Ofício da novena do natal propostas por Irmã Penha e Marcelo Guimarães. Algumas destas novenas não são mais do que uma antecipação do natal.

Portanto, a espiritualidade autêntica do advento, devemos buscar em nossos livros litúrgicos, no missal, nos lecionários e na liturgia das horas.

2. O advento hoje em nossa liturgia

As Normas Universais sobre o Ano Litúrgico e o Calendário, que encontramos entre as partes introdutórias do Missal Romano, dizem a respeito do advento o seguinte:

O tempo do advento possui dupla característica: sendo um tempo de preparação para as solenidades do natal, em que se comemora a primeira vinda do Filho de Deus entre os homens, é também um tempo em que, por meio desta lembrança, voltam-se os corações para a expectativa da segunda vinda do Cristo no fim dos tempos. Por este duplo motivo, o tempo do advento se apresenta como um tempo de piedosa e alegre expectativa (NALC 39).

Sendo assim, constatamos à primeira vista que o advento não é um tempo de penitência, e sim de alegra expectativa. A cor roxa dos paramentos litúrgicos não nos deve induzir a igualar o advento à quaresma. E é bom lembrar que o tom penitencial que o advento tinha nos séculos anteriores ao Concílio Vaticano II, foi tirado. Todas as orações foram revistas e purificadas de elementos penitenciais ou, quando necessário, modificadas, para receberem um tom de esperança em vista do encontro com o Senhor que vem.

A nova ordenação da liturgia do advento deu ao seu início uma orientação escatológica. Observamos isso, sobretudo, no 1º domingo do advento. Nos anos A, B e C os evangelhos deste domingo falam da parusia. Assim evita-se uma ruptura entre os últimos domingos do ano litúrgico, com seu cunho escatológico, e o novo ano da Igreja, que começa com o 1º domingo do advento.

No entanto, não ficamos no advento por muito tempo com a nossa atenção dirigida para a última vinda do Senhor. Meio logo passamos para o aspecto principal do advento, que é a preparação para a vinda do Filho de Deus na carne. A alegre espera do Messias fica nitidamente dominante e intensiva a partir do dia 17 de dezembro. Os dias 17 a 24 são, na realidade, exclusivamente dias de preparação para a festa do natal, a celebração do nascimento do Filho de Deus em Belém.

Embora esta acentuação diferente no início e no decorrer ulterior do advento seja clara, um certo dualismo permeia todo este tempo, porque, já no primeiro período a espera do natal se faz presente, assim como aparece a dimensão escatológica, na segunda parte do advento.

3. Os textos da liturgia eucarística do advento

Antes de começarmos a levantar elementos de teologia e espiritualidade dos textos da liturgia do advento, parece oportuno apresentar mais detalhadamente estes textos. Limitamo-nos aqui aos textos das missas do advento, porque a grande maioria dos leitores da Revista de Liturgia não reza e nem conhece os textos litúrgicos das horas, a não ser aqueles que constam no Ofício Divino das Comunidades.

Os domingos são caracterizados principalmente pelos evangelhos. No primeiro domingo do advento, como já foi mencionado, se lê todos os anos, um texto que fala do fim dos tempos. No segundo e terceiro domingo, se faz referência a João Batista. No quarto domingo proclamam-se acontecimentos que preparavam imediatamente o nascimento de Jesus: Os anúncios a José e Maria e a visita de Maria a Isabel. A primeira leitura é profética; na maioria das vezes de Isaías. A segunda leitura é apostólica e geralmente uma exortação à vigilância e a uma vida digna.

Nos dias da semana, até o dia 16, de dezembro, se faz, quase exclusivamente, uma leitura progressiva, embora descontínua, de passagens messiânicas do profeta Isaías. A estas leituras proféticas correspondem textos evangélicos que mostram o cumprimento das profecias. Elas são sempre, de algum modo, relacionadas à primeira vinda do Filho de Deus, mas elas anunciam também a última. Na segunda e terceira semana algumas perícopes evangélicas se referem a João Batista.

Na segunda parte do advento proclamam-se progressivamente textos dos evangelhos de Mateus e Lucas referentes à preparação imediata do natal, nas primeiras leituras, textos messiânicos correspondentes do Antigo Testamento, como por exemplo no dia 20 a profecia da jovem que conceberá e dará à luz um filho com o nome de Emanuel, e o evangelho da anunciação do nascimento de Jesus. No dia 22 lê-se do cântico dos cânticos a leitura do amado que salta pelas montanhas e de São Lucas o relato da visita de Maria a Isabel. Os prefácios têm como tema a dupla vinda de Cristo; a espera alegre do natal; Maria, a nova Eva; e Cristo, Senhor e juiz da história. Em determinados dias podemos rezar também outros prefácios, por exemplo, nas missas em que se proclamam a anunciação, o prefácio desta festa; ou quando se lê o evangelho da visita de Maria a Isabel, o segundo prefácio de Nossa Senhora que é inspirado no Magnificat.

De grande beleza e profundidade são muitas das orações do dia, especialmente as dos últimos dias antes do natal.

A omissão do Glória nas celebrações dominicais do advento não tem caráter penitencial, como na quaresma. O motivo disso é antes psicológico ou pedagógico: ele é omitido no advento para que seja novo na noite do natal.

4. A teologia da liturgia do advento

Antes de abordarmos a espiritualidade do advento, parece oportuno ver a teologia subjacente da liturgia destas semanas, da qual brota a espiritualidade. Nesta teologia podemos destacar a presença do Cristo e do Espírito Santo, e além disso, o cumprimento das promessas.

a) O advento, tempo de Cristo

Nas comunidades da Igreja na época dos apóstolos esperava-se com viva esperança a volta do Senhor Jesus na glória. Ela se expressava, sobretudo, pela aclamação maranatá, Vem, Senhor Jesus! Esta era, sobretudo por exemplo, a saudação final de Paulo ao terminar sua segunda carta aos Coríntios. Talvez a conhecemos melhor do final do livro do apocalipse e, com isso, de toda a bíblia: O Espírito e a esposa dizem ‘vem’ (…) Amém, vem, Senhor Jesus! (Ap 21,17). Lembramos também que nós mesmos aclamamos o Senhor assim em cada missa na oração eucarística, depois do relato da instituição. O advento todo, é, no fundo, um eco e em diferentes modulações, desta aclamação.

A espera do Messias, em Jesus de Nazaré, na preparação para comemorar a sua vinda na carne chega a seu cume nos dias que precedem imediatamente o natal. Aí ouvimos, como os nossos antepassados na fé, os patriarcas e profetas, particularmente Isaías, esperavam o Messias, Lembramo-nos especialmente do pequeno resto do povo de Israel que tinha a esperança certa do Messias, entre eles os mais próximos de Jesus: Zacarias e Isabel, João Batista, José e Maria. O advento resulta assim numa intensa celebração da longa espera do Messias na história da salvação, que nos ajuda a descobrir em quase cada página do Antigo Testamento, desde o livro do Gênesis, o mistério de Cristo. Assim aprendemos a ler a nossa história com os olhos iluminados pela fé e podemos nela descobrir a presença do Cristo que vem.

De fato, também na história atual, como já no Antigo Testamento e em todas as épocas, Cristo está presente e está para vir. Podemos neste momento lembrar o que os bispos latino-americanos disseram em Medellín:

Cristo ativamente presente em nossa história, antecipa seu gesto escatológico não só no desejo impaciente do homem para alcançar sua total redenção, mas também naquelas conquistas que, como sinais indicadores do futuro, o homem vai fazendo através da atividade realizada no amor (Introdução 5).

Se ouvimos e lemos as palavras dos profetas, de Isaías até João Batista, nas semanas do advento, dentro da nossa situação concreta, podemos também hoje descobrir a centralidade de Cristo na história atual, como ele era o centro da história do passado e o será no futuro, até que ele se manifeste em toda a sua glória como Senhor da história na parusia.

b) O advento, tempo do Espírito Santo

O verdadeiro precursor de Cristo é o Espírito Santo. Ele o foi em vista da primeira vinda do Filho de Deus e o é em vista da segunda e definitiva. Foi ele que falou pelos profetas (Credo niceno-constantinopolitano); ele inspirou os oráculos messiânicos; ele antecipou em Zacarias, Isabel, João Batista e Maria a alegria da vinda do Cristo. O primeiro capítulo do evangelho de Lucas parece ser uma antecipação de pentecostes, uma efusão da alegria messiânica sobre os últimos protagonistas do Antigo Testamento, especialmente nos cânticos evangélicos do Benedictus e do Magnificat, sem falar da concepção de Maria pelo Espírito Santo. Esta mesma presença e ação do Espírito continua sendo documentada, particularmente por Lucas, na atividade evangelizadora de Jesus e da Igreja dos apóstolos, em toda a Bíblia até em sua última página, onde João, o evangelista ouve a Igreja, guiada pelo Espírito, clamar: Vem, Senhor Jesus!

Como é importante que também hoje nos lembremos desta presença e ação do Espírito de Deus em nossa Igreja e no mundo, que se comunica, sobretudo, por meio daqueles que por ele se deixem guiar! Também em nossos dias ele pode abrir os corações para que acolham sua presença e ação e que se realize sempre mais entre nós o Reino de Deus!

c) O cumprimento das promessas

Nas leituras proclamadas durante o advento, sobretudo na missa, são-nos lembradas muitas promessas de Deus. As profecias messiânicas encontravam seu cumprimento em Cristo e assim se dão provas da fidelidade de Deus. A história se mostra como o desdobramento de um desígnio salvífico de Deus, que se revela precisamente nestas promessas que na plenitude do tempo convergiram em Jesus Cristo. Nele, e particularmente no natal, confluem a criação e as alianças, a lei e a sabedoria, a figura do servo e do Messias, a dimensão do sofrimento e das núpcias.

No advento aprendemos a confiar neste Deus das promessas, aprendemos que ele é fiel também hoje e sempre, como ele o foi no passado, conforme lemos na segunda carta a Timóteo: Fiel é esta palavra (que os eleitos obtenham a salvação em Cristo Jesus, com a glória eterna): Se com ele morremos, com ele viveremos, se com ele sofremos, com ele reinaremos; se nós o negarmos, ele nos renegará; se lhe somos fiéis, ele permanece fiel, pois não pode renegar-se a si mesmo (2Tm 2,11-13). Esta certeza de que Deus é fiel, é a base inabalável da alegria na confiante espera que vivemos e aprendemos no advento.

5. A espiritualidade do advento

A liturgia do advento contém uma autêntica espiritualidade litúrgica, centrada na vinda do Senhor e sua espera; a vinda do Senhor na carne e no fim dos tempos, assim como sua constante presença na Igreja que é prefigurada de modo particular em Maria, virgem, mãe da esperança.

a) O mistério de Cristo que vem

Palavras chaves do advento são espera e esperança, vigilância e acolhimento. Vigiar na espera de Cristo é uma atitude semelhante à da espera de um amigo ou de um noivo (por parte da noiva). João Batista descreveu tal espera alegre com as seguintes palavras: “Quem tem a esposa é o esposo, mas o amigo do esposo, que está presente e o ouve, é tomado de alegria à voz do esposo. Essa é minha alegria, e ela é completa” (Jo 3,29). Se a alegria do amigo do esposo já é tão grande, qual deve ser a nossa, a da Igreja, que é a esposa mesma?!

Teilhard de Chardin nos pode ajudar a compreender tal espera, com uma reflexão que encontramos no Epílogo do seu livro O Meio Divino:

Os israelitas eram uns eternos “expectantes”, e o mesmo eram os primeiros cristãos. De fato, o natal que deveria ter voltado para trás os nossos olhares, para concentrá-los sobre o passado, não fez outra coisa a não ser orientá-los para frente, para o futuro. Aparecido como por um instante no meio de nós, o Messias se deixou ver e tocar, somente para perder-se de novo, mais luminoso e inefável do que nunca, no abismo insondável do futuro. Ele veio, mas agora devemos esperá-lo mais do que nunca, e não apenas para um pequeno grupo de escolhidos, mas para todos. O Senhor Jesus só virá depressa se sabermos esperá-lo ardentemente. Há de ser um acúmulo de desejos, que faça eclodir o seu retorno.

b) Advento tempo da Igreja missionária e peregrina

A espera e a esperança que a liturgia do advento nos inspira não nos deixam tranqüilos e sossegados no mundo e na história em que vivemos. Ela nos inquieta, porque tem dentro de si um dinamismo que mexe conosco e nos impulsiona.

A proclamação das profecias e do seu comprimento nos pode levar a ver a nossa situação atual como se o Messias ainda não tivesse vindo. E tal visão não é errada porque, Ele veio, mas também há ainda há de vir. Assim o advento é um tempo de real espera da vinda do Senhor para nós. Podemos rezar com os justos do Antigo Testamento e esperar o cumprimento das profecias.

Pois o Senhor, de fato, deve ainda vir para nós e para o mundo, mas não apenas no fim dos tempos, e sim a cada momento de nossa vida e da nossa história, sobretudo para a Igreja: nossas comunidades e paróquias, nossas dioceses e a Igreja inteira.

Devemos pedir esta vinda na oração. Jesus mesmo nos ensinou a rezar: Pai nosso, venha o teu Reino! Mas ele não apenas nos mandou rezar. Ele nos enviou como ele mesmo foi enviado pelo Pai, para que o amor do Pai fosse conhecido e vivido.

O advento nos ajuda a renovar nosso fervor missionário de anunciadores do reino messiânico ao mundo inteiro, reino de amor, de justiça e de paz, do qual o natal se mostra como primícia e uma garantia preciosíssima. A espiritualidade do advento é uma espiritualidade comprometida, que nos leva a ser uma Igreja para o mundo e para toda a humanidade fonte de esperança e alegria.

c) O advento, tempo de Maria, da virgem da esperança

Para este último aspecto da espiritualidade do advento, provavelmente não se pode dizer algo menos pertinente do que aquilo que o Papa Paulo VI escreveu em sua carta apostólica sobre o culto à Virgem Maria, a respeito de Maria no advento. Primeiro ele lembra a solenidade da Imaculada Conceição da Virgem Maria. Esta festa não pertence propriamente ao ciclo litúrgico do advento, mas, como diz o Papa, insere-se, harmonicamente, neste tempo, porque nela celebramos a preparação radical para a vinda do Salvador e para o feliz exórdio da Igreja sem mancha e sem ruga (cf. n. 3). Mais adiante o Papa escreve: Como figura e imagem da Igreja, Maria é plenamente a Virgem do advento. Pelo seu “sim” transformou a espera do Messias em presença, a promessa em dom. Assim, Maria pode ser o melhor exemplo para nós numa Igreja que quer viver a presença de Cristo no mundo de hoje (cf. n. 4).

Concluindo

Parece que podemos bem concluir esta nossa reflexão com duas observações de cunho mais pastoral.

1) Vimos como na história do povo da antiga aliança a espera do Messias foi uma dimensão dominante. O mesmo se pode dizer da história do novo povo de Deus. E esta espera sempre foi esperança. Esperança verdadeira, no entanto tem um fundamento. Tal fundamento se deixa perceber em sinais que dizem e até garantem que a espera não será em vão.

Não existem tais sinais também hoje, também em nossa sociedade de consumo que começa a celebrar o natal já nas semanas anteriores ao advento, sobretudo nas áreas do comércio? As luzes que iluminam as lojas e as ruas, não são elas ainda algum reflexo da luz da noite de Belém? A árvore de natal por mais artificial, que seja, não pode lembrar a árvore da vida? Os presentes que damos e recebemos, não pode ser um prolongamento do grande presente de Deus, no natal, que é seu próprio Filho? E a ceia de natal, mesmo de pessoas e famílias que não participam da ceia eucarística, não pode ser, de algum modo, sinal do grande banquete escatológico que já o profeta Isaías anuncia? Talvez tais sinais que existem, podem ser um trampolim, a partir do qual pelo menos um ou outro se deixam levar para mais perto ou para dentro do mistério do natal.

2) No entanto, geralmente não devemos apoiar costumes e mentalidade, frequentes também dentro de nossas comunidades, de pular por cima do advento e logo antecipar a celebração do natal.

A espera e a esperança do advento são tão grandes e importantes que não devemos perdê-las. Devemos nos dar um tempo e ajudar também nossos fiéis, para que possam abrir-se os corações, precisamente no advento, para o Senhor que vem. Se ele vier sem encontrar os corações abertos, ele não pode entrar. A liturgia do advento oferece a melhor ajuda para que aconteça esta abertura. Devemos também valorizar os símbolos que nos falam da vinda do Senhor, como por exemplo a coroa do advento, que nos mostra a aproximação e o brilho, cada semana mais forte, da luz que está vindo ao mundo. A árvore do natal e o presépio devem nos lembrar somente no natal e nas semanas do tempo do natal que o Salvador, a luz do mundo, nasceu. Nem as novenas chamadas “do natal” que, no entanto, querem preparar para a festa do nascimento do Filho de Deus entre nós, devem antecipar o natal, mas devem ajudar a preparar os corações das pessoas e das comunidades para o natal.

Advento quer dizer que o Senhor vem. Mas ele chega somente à medida em que o esperamos e nos abrimos para ele.

Pe. Gregório Lutz (CSSp).

Doutor em Liturgia.
Membro fundador do Centro de Liturgia. São Paulo, SP