Tempo do Advento: História, celebração e espiritualidade

 

As verdadeiras origens do Advento são incertas e as notícias que nos chegaram são exíguas[1]. É necessário distinguir elementos relativos à práticas ascéticas[2] de outros de caráter propriamente litúrgico: um Advento como tempo de preparação ao Natal (Advento histórico) e um Advento que celebra a vinda gloriosa de Cristo (Advento escatológico). O Advento é um tempo litúrgico típico do Ocidente. O Oriente tem somente uma breve preparação de poucos dias para o Natal.

 

1.1  A história do Advento

Temos notícias do Advento desde o séc. IV, e este tempo se caracteriza tanto em sentido escatológico quanto como preparação ao Natal. Sobre o significado originário do Advento muito se tem discutido, preferindo alguns optar pela tese do Advento Natalício, outros pela tese do Advento escatológico[3]. Certo é que o Advento romano surge somente na segunda metade do VI século[4], provavelmente importado da Gália, passando em primeiro lugar por Ravena[5]. A reforma litúrgica que brotou do concílio Vaticano II quis, intencionalmente, conservar ambas características de preparação para o Natal e de espera da segunda vinda de Cristo[6].

Nas obras cristãs dos primeiros séculos, especialmente na Vulgata, Adventus torna-se o termo clássico empregado para designar a vinda de Cristo entre os homens: sua vinda na carne, inaugurando os tempos messiânicos, e sua vinda gloriosa, que coroará a obra redentora no fim do mundo. Adventus, Natale, Epiphania exprimem a mesma realidade fundamental[7].

 

1.2  A celebração do Advento

O Tempo do Advento começa com as I Vésperas do domingo que sucedem ou antecedem imediatamente ao dia 30 de novembro (festa de Santo André) ou ao mais próximo desta data, e termina com a Noa antes das I Vésperas do Natal. É constituído de quatro semanas que por sua vez se divide em duas etapas: a primeira vai do primeiro domingo até o dia 16 de dezembro e faz referência especial à vinda escatológica do Salvador, e a segunda, de 17 a 24 de dezembro, aponta a sua vinda histórica, conforme atestam os prefácios:

O I prefácio sublinha bem essas duas etapas:

Revestido da nossa fragilidade, ele veio a primeira vez para realizar seu eterno plano de amor e abrir-nos o caminho da salvação. Revestido de sua glória, ele virá uma segunda vez para conceder-nos em plenitude os bens prometidos que hoje, vigilantes, esperamos.

O prefácio II, previsto para os dias entre 17 e 24 de dezembro, assim se exprime:

Predito por todos os profetas, esperado com amor de mãe pela virgem Maria, Jesus foi anunciado e mostrado presente no mundo por são João Batista. O próprio Senhor nos dá a alegria de entrarmos agora no mistério do seu Natal, para que sua chegada nos encontre vigilantes na oração e celebrando os seus louvores.

1.3  A espiritualidade do Advento

A comunidade cristã, com a liturgia do Advento, é chamada a viver no cotidiano algumas atitudes evangélicas essenciais: a espera vigilante e jubilosa, a esperança, a conversão. A atitude da espera caracteriza a Igreja e o cristão porque o Deus da revelação é o Deus da promessa que em Cristo manifestou toda a sua fidelidade ao homem (cf. 2Cor 1,20).

Durante o Advento a Igreja vive a espera de Israel em níveis de realidade e manifestação definitiva desta realidade, que é Cristo. Agora vemos como por um espelho, confusamente, mas virá o dia em que veremos face a face (1Cor 13,12). A Igreja vive esta espera na vigilância e na alegria. Por isso reza: «Maranatha: “Amém. Vinde, Senhor Jesus!» (Ap 22,17-20).

O Advento é a celebração do «Deus da esperança» (Rm 15,13) e os cristãos vivem esse tempo na virtude da alegre esperança (cf. Rm 8,24-25). O canto que caracteriza o Advento, desde o primeiro domingo, é o do salmo 25:

A vós, meu Deus, elevo a minha alma. Confio em vós, que eu não seja envergonhado! Não  se  riam  de mim   meus inimigos, pois não será desiludido quem espera em vós.

O Deus que entra na história põe em causa o homem, questiona-o. A vinda de Deus em Cristo requer contínua conversão: a novidade do Evangelho é luz que exige despertar pronto e decidido do sono (cf. Rm 13,11-14).

O tempo do Advento, sobretudo através da pregação de João Batista e dos profetas veterotestamentários, especialmente Isaias, é convite à conversão para preparar os caminhos do Senhor e acolher, à imagem da Virgem Maria, o Senhor que vem. O Advento, enfim, educa para viver a atitude dos «pobres de Javé», mansos, humildes, disponíveis e que Jesus proclamou bem-aventurados (cf. Mt 5,3-12).

 

Dom Jerônimo Pereira Silva, OSB
Monge do Mosteiro de São Bento de Olinda
Doutor em Sagrada Liturgia
Membro do Centro de Liturgia Dom Clemente Isnard.

 


[1] L. Della Torre, Problematica pastorale sull’anno liturgico in rapporto al calendario e ai ritmi odierni di vita, in Id. ed., L’anno liturgico, Marietti, Casale Monferrato 1983, 23-38; Pontificio Istituto Liturgico, ed., Anàmnesis, Introduzione storico-teologica alla liturgia, VI, L’Anno Liturgico, Marietti, Casale Monferrato 1988, A. Adam, L’anno liturgico celebrazione del mistero di Cristo. Storia – Teologia – Pastorale, Elle Di Ci, Leumann 1984; T. J. Talley, Le origini dell’anno liturgico, Queriniana, Brescia 1991; M. Augé, Anno liturgico. È Cristo stesso presente nella sua chiesa, LEV, Città del Vaticano 2009; P. Regan, Dall’Avvento alla Pentecoste. La riforma liturgica nel Messale di Paolo VI, EDB, Bologna 2013.

[2] À história do Advento romano, que começa no século VI, é necessário fazer sua pré-história na Gália e na Espanha. Estas regiões parecem ter percebido, a partir do final do século IV e ao longo do século V, a necessidade de uma preparação ascética para as festas de Natal/Epifania. Tendo uma duração de seis semanas inicialmente, estava, sem dúvidas, ligada à preparação ao batismo  administrado na Epifania. A partir de 380, o concílio de Saragoça prescrevia que os fiéis fossem assíduos à igreja de 17 de dezembro até a Epifania. Ascese, orações, assembleias mais frequentadas: estas são as primeiras características do tempo de preparação para o Natal. Tal disciplina deveria se precisar na Gália, ao longo do século V. J. A. Jungmann demonstrou como por trás desse «tom penitencial» do Advento está originalmente uma Quaresma de S. Martinho, instituída por Perpétuo de Tours (+ 490), que durava de 11 de novembro até a Epifania (6 de janeiro), ou seja, um período de jejum de oito semanas (56 dias), no qual, de acordo com o costume galicano (e Oriental) não se jejuava no sábado e no domingo (então com 16 dias livres de jejum), resultando 40 dias de jejum em preparação à Epifania, em analogia com o jejum dos 40 dias que antecedem  celebração da Páscoa. Cf. J. A. Jungmann, Anno liturgico, in H. Auf der Maur, Le celebrazioni nel ritmo del tempo – I – Feste del Signore nella settimana e nell’anno, Elle Di Ci, Leumann (Torino) 1990, 270; A. Nocent, Celebrare Gesù Cristo, l’anno liturgico, avvento, Assisi, Cittadella 1978, 242.

[3] Primeiramente, segundo a concepção primitiva das Gálias, o Advento é tempo de preparação para a solenidade do Adventus Domini, uma vez que a festa do Natal não cessou de crescer em importância durante a Alta Idade Média. O Advento se apresenta também como um tempo de espera: na alegre espera da festa da Natividade, orienta os cristãos para a volta gloriosa do Senhor no fim do mundo. O melhor símbolo do Advento vivido nesta perspectiva é, talvez, o trono vazio do Pantocrator, representado muitas vezes em mosaicos de Roma e Ravena. O antigo vocábulo pagão adventus passa a ser entendido em seu sentido bíblico e escatológico de Parusia. A espera cristã encontra expressão espontânea nos textos proféticos inspirados pela espera do Messias. Isaias e João Batista, em Roma, são as duas grandes vozes da liturgia do Advento.

[4] Assinalam tal fato o aparecimento dos sacramentários e lecionários que nos transmitiram seus formulários litúrgicos. Importante acentuar que em Roma o Advento foi, desde a sua origem, uma instituição litúrgica, enquanto que em outros lugares estava mais revestido de cunho ascético, como ponto de partida e nas normas de sua evolução. Os formulários das seis, depois quatro semanas preparatórias para o Natal, tiveram alguma dificuldade para encontrar seu lugar no ciclo anual. Só com o surgimento dos graduais e antifonário dos séculos VIII-IX encontramos as missas do Advento no começo do ciclo. O estudo dos formulários da missa e do oficio permite que captemos o sentido preciso que os papas dos séculos VI-VII quiseram dar ao tempo do Advento. Cf. A. Chavasse, «L’Avent romain, du Vie au VIIIe siècle», EL 67 (1953) 297-308.

[5] Poderia ser testemunha qualificada o conhecido Rótulo de Ravena. O Rótulo de Ravena se compõe de quarenta orações do V-VI século que fazem específicas referências a uma preparação ascética para o Natal com temas cristológicos e marianos específicos do Advento. Estas orações se encontram atualmente na sua grande maioria presentes no Missal de Paulo VI. Cf. A Bergamini, Cristo festa della Chiesa, storia, teologia, spiritualità, pastorale dell’anno liturgico, Paoline, Cinisello Balsamo 1991, 228.

[6] «Tempus Adventus duplicem habet indolem: est enim tempus praeparationis ad sollemnia Nativitatis, in quibus primus Dei Filii adventus ad homines recolitur, ac simul tempus quo per hanc recordationem mentes diriguntur ad exspectationem secundi Christi adventus in fine temporum. His duabus rationibus, tempus Adventus se praebet ut tempus devotae ac iucundae exspectationis». Calendarium Romanum ex decreto sacrosancti oecumenici concilii vaticani II instauratum auctoritate Pauli PP. VI promulgatum, editio typica, Typis Polyglotis Vaticanis, Città Del Vaticano 1969, n. 39. Assim se exprime a coleta do dia 21 de dezembro: «Preces pópuli tui, quæsumus, Dómine, cleménter exáudi, ut, qui de Unigéniti tui in nostra carne advéntu lætántur, cum vénerit in sua maiestáte, ætérnæ vitæ præmium consequántur».

[7] Cf. B. Neunheuser, «La venuta del Signore: teologia del tempo di Natale ed Epifania», RL 59 (5/1972) 607-615.

 

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