Resultado de imagem para mae de deusA celebração da Solenidade da Santíssima Mãe de Deus, possui como toda a liturgia uma essência cristológica que emana do Mistério Pascal. Compreender a participação de Maria na missão e vida do Filho de Deus é professar a divindade-humanidade de Jesus Cristo, pois é no seio de Maria que ocorre inicialmente o encontro que nos dará a plenitude: ela é a mãe do Verbo Encarnado.

O dogma da Mãe de Deus

Entre os séculos III e V d.C., a Igreja precisou organizar seus elementos fundamentais da fé, fazendo frente aos pensadores da época e disposta a solucionar contendas teológicas (heresias), que afloraram no cristianismo nascente. Nestes primeiros séculos as dúvidas sobre a origem do Filho de Deus, sobre suas naturezas humana/divina e sobre o papel do Espírito culminaram em concílios da Igreja com definições dogmáticas de extrema importância.

As definições da Igreja no Concílio de Nicéia (325 d.C) tiveram como desfecho a confirmação de Cristo como verdadeiramente humano e verdadeiramente divino, contradizendo os arianos, que negavam a divindade de Jesus afirmando ser ele apenas humano. Já o concílio de Constantinopla (381 d.C), sob a influência da teologia de Basílio de Cesaréia destaca o Espírito Santo em sua procedência e participação na Trindade.

Resolvidas e definidas as questões dogmáticas sobre o Filho de Deus e o Espírito Santo, surgiu o grupo liderado por Nestório que defendia ser Maria apenas a mãe de Cristo Humano (Christotókos), negando de certa forma a unidade de Jesus. Outra dificuldade que existiu foi o fato de que os pais e mães dos deuses também eram considerados divindades para as religiões greco-romanas – elemento que dificultou as primeiras discussões mariológicas.

A Solenidade Litúrgica da Santíssima Mãe de Deus possui como uma das fontes estas definições teológicas dos primeiros Concílios da Igreja. Por fim, para resolver a questão levantada por Nestório, os bispos reuniram-se  no concílio de Éfeso (431 d.C) e definiram o dogma da Maternidade Divina de Maria, afirmando que ela é Theotókos (Mãe Geradora de Deus), anatematizando os nestorianos.

A liturgia

A celebração da Santíssima Mãe de Deus está inserida no Tempo do Natal, sendo a celebração solene de conclusão desta Oitava Litúrgica (oito dias intensos em que se celebra o Natal). Nesta celebração, ganham destaque as expressões “o filho de Maria/Mulher” e o “Nome do Senhor”, este segundo em dupla perspectiva: primeiro Nome do Senhor (na perspectiva do Antigo Testamento) como presença e fonte da graça e em segundo (conforme o Novo Testamento) como a imposição do Nome do Senhor para o menino Jesus no cumprimento do rito da circuncisão, que é repleto de significados salvíficos.

Um outro elemento que participa da eucologia desta celebração é o desejo de “paz”, expresso na Antífona de Entrada pela citação de Isaías 9 que destaca o “Príncipe da Paz” e também na primeira leitura onde a paz é expressa como fruto da bênção.

Sinal de aliança e recebimento da missão

Para a cultura judaica, o oitavo dia após o nascimento era conhecido como o dia da circuncisão e a inscrição do nome do recém-nascido: com este rito a criança tornava-se parte do povo eleito e recebia um nome que seria a expressão de sua missão junto a Aliança.

A bênção em nome do Senhor

A I Leitura coloca o texto da Bênção de Números (Nm. 6,22-27), onde o próprio Deus ensina Moisés e Aarão como abençoar o Povo, através da invocação do seu Nome. A bênção para o Antigo Testamento é vista em dois elementos convergentes, conforme Andrade (2018) “é descendente de Deus para a humanidade e para o cosmos e é ascendente da humanidade para Deus, quando o povo canta sua presença e seu inclinar-se repleto de graça e misericórdia”. Em consonância o responso com o Salmo 66 expressa bem esta bênção tem um contexto de salvação que surge da invocação do Nome do Senhor e do “volver de sua face” e possui força realizadora da paz e da justiça em toda a terra.

Nascido de mulher

No texto da II Leitura (Gl 4,4-7), Paulo fala do cumprimento das promessas messiânicas no evento do nascimento do Filho de Deus, destacando que ele foi “nascido de uma mulher”. O eterno assume o cotidiano humano para levá-lo à perfeição passando de obedientes à Lei para a liberdade de filhos herdeiros, não por mérito humano, mas pela graça de Deus. O uso do termo “nascido de mulher” remete à força e a humanidade de tantas mulheres exaltadas nas escrituras (Eva, Sara, Miriam, Ester, Isabel etc) que contribuíram no projeto de Deus e que encontram no “faça-se” de Maria realização – compreende-se  “mulher” como alguém “plenamente humana”. Maria cumpre este profetismo feminino bíblico.

A plenitude da bênçãoDeus salva!

O Evangelho retoma o texto tradicionalmente natalino de Lucas (Lc 2,16-21) da visita dos pastores. Estes encontram José, Maria e o Menino “reclinado” na manjedoura. O recém-nascido é um sinal contraditório, para aqueles que procuram força o Messias apresenta-se na simplicidade e na fragilidade de um menino envolto em faixas. Os pastores são o símbolo daqueles que reconhecem em meio à esta fraqueza a “verdadeira bênção” que desce e volta para o céu, no verdadeiro intercâmbio de dons com a terra – (cf. Prefácio do Natal III). O texto finaliza com o versículo 21, que destaca o oitavo dia onde ocorre a circuncisão e ele recebe o nome – este menino não só se insere na Aliança mas é a Plena Aliança e seu nome mais do que uma missão é a realização da Salvação: Jesus (Deus Salva).

 

Márcio José Pelinski é bacharel em Teologia e especialista em Gestão de Pessoas e em Gestão de Processos Pastorais pela PUCPR. Mestrando em Teologia também pela PUCPR.  Professor no curso de Bacharelado em Teologia: Doutrina Católica do Centro Universitário Internacional UNINTER. Diácono permanente pela Diocese de São José dos Pinhais (PR).