Com as I vésperas do I Domingo entramos no tempo santo do Advento. Quando a Igreja, de acordo com o ciclo de celebrações dos Mistérios do Senhor, celebra em cada ano este tempo, ela como mãe solícita procura atualizar a espera da primeira vinda e fomenta em nós a esperança da vinda definitiva, dos novos céus e nova terra, o dia em que Ele “aparecerá glorioso no fim dos tempos”(At 1,11).

Torna-se, porém cada vez mais difícil perceber a grandeza e a beleza da preparação para a Solenidade do Natal do Senhor na espera de sua vinda gloriosa, quando somos tomados pelos múltiplos apelos externos que quase obscurecem o sentido verdadeiro deste tempo “santo”. Quase naturalmente também nós, cristãos, nos enfronhamos nas lícitas preocupações: presentes, décimo terceiro salário, os últimos enfeites, a ceia, as confraternizações das empresas e até dos movimentos pastorais, tudo isso, mesmo que possuindo seu sentido, pode contrapor e até calar a voz da Igreja que canta: “Vem Senhor Jesus”.

É preciso, pois, entender mais para celebrar melhor esse maravilhoso tempo que apenas começamos.

 

  1. NOSSA RELAÇÃO COM O TEMPO

Não sabemos o que seja o tempo para além daquele contado e medido em nossos relógios, dos segundos, minutos e horas. Nós somos submetidos à insegurança e à fugacidade do tempo. Porém, se Ele veio “na plenitude dos tempos”, podemos falar no valor teológico do tempo que qualifica a experiência do fiel, e torna-se assim um lugar de encontro. Dessa forma cada instante celebrativo manifesta o mistério de nossa salvação. Presente, passado e futuro (em Cristo) constituem um único acontecimento salvífico: “Cristo é o Senhor do tempo; é o seu princípio e o seu cumprimento; cada ano, cada dia, e cada momento ficam abraçados pela sua Encarnação e Ressurreição, reencontrando-se assim na plenitude do tempo”. (Carta apostólica Dies Domini, 74). Por isso, o Advento constitui também um grito dentro de nós pela busca ontológica de sentido, sobretudo hoje, onde a esperança parece fatigar em mostrar seus sinais.

 

  1. O ADVENTO EM DUAS VIAS (UMA ESPIRITUALIDADE)

O Advento, que no nosso rito, desde o século IV constitui-se de quatro semanas, com o passar do tempo foi adquirindo um caráter litúrgico-ritual rico em símbolos e expressões que revelam uma espiritualidade. As cores litúrgicas que manifestam uma preparação cheia de alegria; a reserva simbólica: sem hino de louvor, sóbrios no cantar e nos ornamentos para não antecipar a exuberância e a plena alegria do Natal do Senhor (IGMR, 305); e a coroa do advento, que em seus elementos essenciais e no brilho da luz remetem-nos ao encontro do Divino com o humano em nossas vidas e na vida de nossas comunidades que, tocadas pela circularidade da bênção de Deus e pela totalidade de sua intervenção, faz do verde-esperança seu grito de fé.

Embora conservando em si uma substancial unidade, o tempo do Advento se subdivide na reflexão da Vinda escatológica (do primeiro domingo ao dia 16) e na preparação do Natal (do dia 17 ao dia 24). A primeira vinda é o anúncio da segunda vinda. E a segunda vinda é o seu coroamento. Refletimos dois eventos reais: o da primeira vinda e o da segunda vinda do Senhor, e celebramos na beata esperança. Os textos litúrgicos e bíblicos demonstram com clareza e beleza e os dois modos de celebrar esse tempo.

 

ADVENTO ESCATOLÓGICO

“Fala ao coração do teu povo para que, em pureza de fé e santidade de vida possa caminhar até o dia da manifestação plena na glória do teu nome”.

Os textos bíblicos são os famosos textos da escatologia dos evangelhos e das profecias. Celebra-se o anseio da plenitude de Deus presente em cada ser humano, desejo prefigurado nos profetas e patriarcas do Antigo Testamento. É a proclamação de que o Senhor está chegando e que seus sinais já são perceptíveis nas lutas e “ensaios” pelo estabelecimento da paz e da justiça, os valores do Reino.

 

ADVENTO “HISTÓRICO” – PREPARATÓRIO

“Predito por todos os profetas, esperado com amor de mãe pela Virgem Maria (…) O próprio Senhor nos dá a alegria de entrarmos agora no mistério do Seu Natal, para que Sua chegada nos encontre vigilantes na oração e celebrando os Seus louvores” (Prefácio Advento IIB)

Celebramos o Mistério da Visita de Deus, na realização de seu eterno desígnio de amor. Não é a “festa de aniversário de Jesus”, mas, é a contemplação amorosa do mistério da encarnação. Os textos bíblicos e eucológicos nos conduzem a uma celebração madura e séria dos acontecimentos da salvação. Visitamos os “personagens” envolvidos diretamente nos eventos do nascimento do Senhor, feito homem, pedimos a graça de ter os mesmos sentimentos e olhamos para o acontecimento maravilhoso de Cristo, feito criança, Deus conosco.

  1. QUEM CAMINHA CONOSCO?

Os cânticos bíblicos do povo em espera, e as mais significativas profecias que lemos de Isaias são os textos que consolaram a esperança do povo de Deus (Is 11, 1-10); a ação de João Batista (Mt 3, 1-9), que indica Jesus como cordeiro e prepara seus caminhos, nos ensina a tornarmo-nos vigilantes e operantes em fazer o bem; e a figura de Maria Santíssima, que emerge naturalmente do interior da espiritualidade desse período e aponta-nos para as constantes intervenções de Deus na história. É com ela que vivemos a “mística da gravidez”: ela acolhe a Palavra Divina no anúncio do anjo e traz em seu seio virginal, o Filho de Deus com amor inefável.

Celebrar o Advento é, sobretudo, cultivar algumas atitudes:

  1. Superar a limitada concepção do Natal como mais um simples aniversário de Jesus, percebendo e contemplando a intervenção amorosa e redentora de Deus na história humana.
  2. Abrir-se às surpresas de Deus, “amando desde agora o que é do céu, caminhando entre as coisas que passam para abraçar as que não passam” (cf. I domingo, pós-comunhão).
  3. Fomentar em nós a esperança. A última palavra é sempre de Deus em seu esplendor radiante e feito homem, Cristo Jesus nosso Senhor. “O tempo do Advento (…) restitui-nos o horizonte da esperança” (Papa Francisco, 01/12/13).

Caros irmãos e irmãs, não encaremos este advento como mais um em nossa vida de fé. Deixemos que o Espírito de Deus “nos torne vigilantes e operantes em fazer o bem”, alegremo-nos e encorajemo-nos mutuamente; e na noite santa do Natal olhemos de novo para a manjedoura, cruzemos nosso olhar com o Dele e deixemo-nos iluminar por sua luz radiante que jamais conhece tramonto.

Francisco Inácio Vieira Junior é presbítero salesiano, mestre em Sacra Liturgia e membro do Centro de Liturgia Dom Clemente Isnard